De surpresa para as jogadoras, Ceará Sporting Club anuncia o fim do time feminino
por Xaio Lopes e Miles Murta
Revisão: Arthur Albano
No dia 8 de março, as redes sociais dos times de futebol costumam prestar homenagem ao Dia Internacional da Mulher. Para as jogadoras e fãs do Vovô, o prestamento nessa data seria orçamentário, anunciando uma novidade. Dois dias antes, a nota chegou, mas não com uma surpresa agradável. Era o fim do time feminino profissional do Ceará Sporting Club.
O primeiro time feminino do Nordeste a conquistar o título nacional, no Brasileirão Feminino A2, se desfez em um intervalo de dois anos desde a competição. Nesse mesmo período, a equipe masculina do Ceará foi rebaixada.
Nos quatro últimos orçamentos do Ceará, no qual se configuram três dos maiores investimentos financeiros da história do clube, a porcentagem de custos para o futebol masculino ultrapassou os 70%. Já a categoria feminina mantém números irrisórios. Ainda assim, o Ceará alegou que o encerramento do time feminino se deu por questões orçamentárias, para focar no time masculino, este que o próprio clube classifica como profissional em suas documentações.
Novas jogadas, gols anulados
A rede balançou quatro vezes no sol de um sábado à tarde em 13 de agosto de 2022, tudo parte do cenário que rendeu às Meninas do Vovô o acesso à elite do futebol feminino. Quase três meses depois, a situação inverteu-se, mas não para elas. Foi o time profissional do Ceará Sporting Club quem perdeu seu lugar na primeira divisão do campeonato masculino para o ano de 2023.
Meninas do Vozão se classificam para o Brasileirão Feminino A1 / Reprodução: Ceará SC
Quem se fez presente na cantoria pós-acesso das meninas na Cidade Vozão, em Itaitinga, não contava com os apertos que estavam por vir com o rebaixamento da equipe masculina para a Série B. A entrada na A1, primeira divisão do campeonato feminino brasileiro, já não possuía o mesmo brilho ou as mesmas atletas, acontecendo com um time desfeito e remontado com jogadoras de base do time cearense.
Bastaram os dois primeiros jogos do ano, disputados pela Supercopa e pela Série A1, para as Meninas do Vozão sofrerem 24 gols. A temporada dentro do Brasileirão Feminino foi marcada por quatorze rodadas de derrota e, em sua despedida, um empate diante do Atlético-MG. A saída foi inevitável, mas a promessa de retornar parecia perpetuar-se pela outra metade de 2023.
Se o anúncio sobre o desligamento da equipe feminina para o ano de 2024 chegou aos torcedores através de notícias nas redes sociais em 6 de março, dois dias antes do Dia Internacional da Mulher, a situação não foi muito diferente para as atletas. A justificativa seguiu pelo mesmo caminho do ano anterior: foco no acesso à Série A pelo time masculino.
Pronunciamento do Ceará Sporting Club no site oficial / Reprodução: cearasc.com
A quem o Vozão fica de olho?
Era uma segunda-feira (04/03), e o Vozão não viu a inscrição para a competição da categoria feminina. Alguns dias passaram e o Ceará Sporting Club deixou de observar suas participantes. O status que as jogadoras se encontravam era incerto, e elas não sabiam se continuariam em campo ou se pendurariam as chuteiras de vez. O Brasileirão Feminino A2 já era, mas e a equipe?
O primeiro combinado entre o time foi desfeito no dia 12 de fevereiro de 2024, quando a apresentação do time foi adiada para o início de março. Faltando uma semana para o mês começar, ainda aguardava-se a data de retorno para a compra de passagens e logística do alojamento. Foi então solicitado mais uma vez um posicionamento da diretoria do clube.
No dia que a notícia começou a circular, uma reunião estava marcada para acontecer às 14h com a coordenação. Duas horas e quarenta e sete minutos depois, a decisão do Ceará Sporting Club chegou ao grupo no qual as coordenações do futebol feminino do time entravam em contato com as jogadoras.
Entre as ligações da imprensa, do time e os alinhamentos da coordenação e gestão, as meninas foram colocadas para escanteio. No grupo onde a coordenação da modalidade mantinha contato com as atletas, dominava a incerteza sobre o início da nova temporada. A decisão foi o ponto final de uma série de promessas. Os prints divulgados após a nota pelo perfil Jornal dos Sports no Twitter revelam as promessas do clube e a amarga decisão que pegou todas de surpresa.
Reprodução: @JornaldosSports
Do outro lado do campo, a jornalista esportiva do OPovo, Iara Costa contactou diretamente as partes atingidas pelo processo. “Eu cheguei a falar com atletas e ex-atletas, né? E aí foi quando uma delas falou que elas não estavam sabendo”, relata.
A surpresa refletiu negativamente tanto na esperança quanto em seus bolsos, já que muitas delas deixaram de assinar com outros times. “O mercado da bola do futebol feminino abre em dezembro, e aí times como o Corinthians e o Palmeiras começam a anunciar jogadoras”, contou uma delas.
Essa bola fora atingiu jogadoras como Andresa, que acionou a Justiça do Trabalho para o Ceará. O Vozão havia prometido um valor no contrato de renovação da volante para a temporada de 2024 com pagamento estipulado de R$ 67 mil. Com a suspensão das atividades do futebol profissional feminino, o caminho desse pagamento aparenta estar bem longe do campo.
Divulgação de contratação para a temporada do A1, em 2023 / Reprodução: Ceará SC
O que também estava em jogo era seu retorno para a capital do Estado. Informada de que retornaria para Fortaleza, Andresa já preparava as malas, organizando seus materiais e adquirindo despesas por conta da viagem. Sua audiência na Justiça está marcada para o dia 27 de junho
Jogada e consequência
Dezembro até março foi o espaço de tempo que atrapalhou a carreira das atletas do Vozão para o ano de 2024. Enquanto o mercado da bola feminino anunciava as jogadoras da nova temporada durante o natal, as atletas do Vozão esperavam em um limbo que se estenderia até o início da Páscoa. Por causa dessa espera, muitas jogadoras deixaram passar oportunidades valiosas por pensarem que ainda jogariam pelo Ceará Sporting Club.
A situação ficou ainda mais tensa quando as atletas não foram avisadas do encerramento das atividades do time, descobrindo pelas redes sociais e pela imprensa. O respeito passou longe no tratamento para com as atletas, que passaram meses na esperança de terem seus contratos renovados, mas foram surpreendidas pela preferência de utilizar o orçamento do time na categoria masculina. Um orçamento de cifras mínimas que garantia uma diversidade que agora não mais existe.
“O impacto é muito mais nocivo do que quem tomou a decisão de descontinuar o projeto, mesmo que de uma maneira temporária, achou que ia causar. Quando um time da expressão e tamanho, que é o Ceará para o estado e para o Nordeste, desiste de um projeto como esse, ele acaba desestimulando outros projetos também”, relata Iara.
Katiucy Castro, coordenadora de futebol feminino do Sindicato dos Atletas, diz que já houve equipes que chegaram a disputar competições federativas, como o Ferroviário e o Caucaia, que pararam as atividades por falta de interesse e apoio das gestões, mas elas não chegaram a suspender as atividades da maneira oficial como o Ceará fez.
Katiucy Castro, Coordenadora de Futebol Feminino do Sindicato dos Atletas / Reprodução: Instagram
“Na minha opinião, isso acontece pela cultura machista que temos. Infelizmente, as mulheres foram, por vários anos, proibidas de praticar esportes”, expôs a coordenadora. A maneira como a notícia veio à tona para as jogadoras do Sporting Club, logo no mês em que se comemora o dia da mulher, revela o quão pouco o cenário avançou desde então.
Campo barrado?
Jogar como uma garota é estar em um palco principal falho onde as luzes nunca vão estar apontada para elas. As atletas constroem a cena, suas realidades e sonhos são suprimidas em prol de uma estrutura arcaica de que o futebol é uma prática masculina. Em contraponto, o futebol feminino é uma potência que resiste, mesmo quando posta a desistência em benefício de outro.
Mesmo com o resultado da equipe em 2023, o pensamento era certo: colocar de volta as chuteiras que as fizeram ser campeãs. “A gente vai cair, a gente sabe que a gente vai cair. Mas vamos cair sabendo que no próximo ano a gente vai fazer de tudo para voltar para o A1 e para colocar o projeto nos trilhos em que estavam até ganhar A2”, esclarece a jornalista Iara Costa.
Reprodução: Rodrigo Coca/CearaSC.com
Um time feminino alcançando feitos únicos no Nordeste, representando o estado do Brasil com a maior porcentagem de mulheres, não parece nada. Mesmo iniciando no Brasileirão A2 antes mesmo que o Fortaleza, seu time rival. Mas e agora, como fica o depois?
A verdade é que a projeção desse futuro ocorre diariamente na mente das atletas. Desde o alcance da taça no Brasileirão A2 até o histórico da sua temporada no feminino de 2023, havia um comprometimento das jogadoras para conseguir patrocínios e maiores apoios para o grupo engrandecer.
O Alvinegro alega que manteve o sub-15 e sub-17 para não acabar totalmente com o futebol feminino do time, sendo possível, então, fazer parte dos campeonatos de base promovidos por Federações com apoio de projetos sociais. Enquanto isso, o orçamento do clube direciona-se exclusivamente para o futebol profissional jogado por homens, mesmo que eles lutem para sair do rebaixamento
O Ceará Sporting Club é chamado por seus torcedores e em suas notas oficiais como time do povo, mas esquece que esse mesmo povo não é formado apenas por homens. As mulheres estão cada vez mais integradas na torcida, diretoria e agora até mesmo no campo. Ainda assim, as meninas do Vozão não tiveram voz alguma. Não foi oferecida a elas a chance de jogar profissionalmente. Todas as atenções e gastos do clube são direcionados apenas para eles. E elas, como ficam? A resposta é incerta assim como o futuro, mas a esperança é de ser chamada para entrar em campo mais uma vez. Da forma como merecem, como profissionais.
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