Homens trans masculinos enfrentam invisibilidade dentro da própria comunidade
- Gabriele Soares

- 22 de set.
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Por Gabriele Soares e Maria Gabriela Monteiro.
Nos movimentos sociais, Marsha P. Johnson como precursora na luta pelos direitos LGBT. Na política brasileira, Erika Hilton como a vereadora mais votada do Brasil em 2020 e a primeira deputada trans e negra em 2022.
Lideranças LGBTQIAPN+ são raras. E quando se trata da comunidade transgênera, é ainda mais. Mas quando são reconhecidas, na maioria das vezes, se trata apenas de mulheres trans e travestis. A violência está atrás delas o tempo todo, e o sentimento de luta pelas outras é praticamente unânime. Mas e os homens trans? Onde eles estão nas lideranças, nas representações no cinema e na literatura, como a voz central para a discussão de seus direitos?
A população trans é diversa: mulheres trans, travestis, homens trans, pessoas não-binárias, etc. Então, logicamente, suas demandas são diferentes. Entretanto, as questões mais discutidas são em relação aos direitos, acolhimento e proteção de mulheres trans e travestis. São elas que formam movimentos, que estão à frente deles e foram as que mais encontramos e mais estavam dispostas a serem ouvidas.
Foi apenas em 2024 que a comunidade trans masculina se reuniu, pela primeira vez, em uma marcha exclusiva para dar visibilidade às demandas e vivências de homens trans e trans masculinos. O ato ocorreu na Avenida Paulista, em São Paulo, e marcou um passo importante na luta por reconhecimento e direitos.
Os avanços podem ser lentos, mas cada conquista representa a ocupação de um espaço historicamente negado a esses corpos. Muitos ainda vivem em reclusão, seja por medo da opressão ou pela falta de representatividade. Isso dificulta a participação em movimentos sociais e na mobilização por direitos básicos. Bernardo Nathaniel, homem trans de 28 anos, reflete sobre essa realidade: “Pra você ter noção, tá sendo difícil até pra nós [homens trans] mesmos nos conectarmos com a gente mesmo”, afirma.

Bernardo é coordenador do movimento LGBTs Bonsucesso e comenta que a maior procura das pessoas trans masculinas está relacionada à hormonioterapia e à mudança de seus documentos para o nome que se identificam. Diferente das mulheres trans, que se engajam mais em movimentos sociais e na militância em busca de melhoras em relação a emprego, educação, saúde e moradia.
Ele explica que, ao observar outros homens e relembrar do início de sua transição, quando são lidos como homens cisgêneros pela sociedade, eles passam a viver como tais. Ou seja, preferem se manter reclusos, fora do combate dos movimentos sociais, para evitar que passem por mais situações de preconceito. “Você foi atrás de nome social, já retificou, conseguiu a hormonioterapia, alcançou a passabilidade, não tem mais nada que diga que a pessoa é uma pessoa trans, a não ser ela abrir a boca dela e falar. Então, pronto, eu não tenho mais que ir atrás de nada, tá bom assim”, ele reitera que sua cabeça funcionava dessa forma antes, como maneira de assegurar a si mesmo que não vivenciaria novas situações de transfobia.
A transfobia, e o preconceito num todo, é uma vivência que muda a vida da pessoa lesada para o resto de sua trajetória. Por medo de sofrer novamente, muitos homens trans se privam de fazer novas conexões com pessoas que os acolham e respeitam verdadeiramente, e de lutar por algo que a também lhes pertence, por medo.
Bernardo também comenta que o trauma do preconceito impossibilita até mesmo que ele seja tratado. Uma experiência de transfobia por um psicólogo ou por um médico, por exemplo, cria um pavor de ser sofrido novamente, ou seja, a pessoa não volta a procurar o serviço de saúde.
No que tange aos direitos dos homens trans, o Ceará se destaca por ter sido o primeiro estado a realizar uma mastectomia em um homem trans pelo SUS. O procedimento ocorreu em 19 de maio de 2025, na Maternidade-Escola Assis Chateaubriand (MEAC), vinculada ao Complexo Hospitalar da Universidade Federal do Ceará (CH-UFC). A cirurgia representa um importante avanço na reafirmação de gênero e na promoção do bem-estar corporal dessas pessoas.
Apesar dos progressos, os desafios permanecem. Mesmo com a reclusão em movimentos sociais, homens trans ainda enfrentam altos índices de violência motivada por transfobia. Dados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), do Ministério da Saúde, revelam que, entre 2019 e 2023, as notificações de violência contra essa população aumentaram 161%, evidenciando a vulnerabilidade a que estão expostos.
A luta por visibilidade e respeito para homens trans ainda é diária e urgente. Embora conquistas importantes tenham sido alcançadas, o reconhecimento pleno de suas existências, identidades e direitos ainda esbarra em barreiras sociais, políticas e institucionais. Para Bernardo, homem trans e ativista, a resistência é constante: “A gente tem que tá lutando todo santo dia, por causa desses retrocessos que estão havendo aí mundo afora”. Sua fala sintetiza o sentimento de muitos que, apesar da invisibilidade imposta, seguem ocupando espaços e exigindo dignidade.




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