A infância queer é marcada por desafios e sofrimento. Começa na escola, com insultos e apelidos: bicha, traveco, viado e sapatão. A igreja prefere chamá-las de demônios. Em casa, os pais começam a tratá-las de maneira diferente, muitas vezes enxergando antes delas mesmas suas identidades. Aí vem a estranheza interna, que rapidamente se transforma em declínio emocional, no qual o desejo de ser ordinário se impõe diante da discriminação. No entanto, depois que se enfrenta o sofrimento e conquista-se a aceitação, ela vem acompanhada pelo medo - o medo da incerteza, da saúde, da segurança e da falta de políticas públicas que apoiem pessoas queer.
Apesar de tudo, há momentos de esperança. Fortaleza, por exemplo, implementou um pacote de ações para garantir os direitos da população LGBTQIAPN+, incluindo educação, segurança, capacitação e saúde. Entre elas, está a criação da Patrulha da Diversidade, a primeira viatura do Brasil dedicada ao acolhimento e encaminhamento das vítimas de violência LGBTfóbica.
Mas, claro, o oportunismo da extrema-direita não ficaria calado diante de um ato de apoio a uma minoria. O deputado federal André Fernandes (PL-CE), em um previsível gesto de repúdio, gravou depoimento contra a iniciativa para suas redes sociais. Com o mesmo discurso desgastado do bolsonarismo de 2017, repleto de ironia, humor duvidoso, oratória medíocre e argumentação fraca, ele segue repetindo o que seu grupo quer ouvir. O vídeo, direcionado para cristãos católicos ou evangélicos, aborda a falácia tantas vezes desmentida que uma “ideologia de gênero” estaria sendo implantada em nossa sociedade através de ações do Governo. O discurso do político apoia-se no velho preconceito que já banalizado. As falas de André Fernandes não causam mais choque, mas para a comunidade queer continuam com o mesmo efeito repulsivo que sempre tiveram.
Colagem feita com diferentes fotos que não representa a opinião do indivíduo retratado.
E claro, é sempre uma surpresa ver alguém com uma trajetória que começou com tutoriais no YouTube sobre como “raspar o caneco” se posicionar de forma tão retrógrada. O que não surpreende é ver que políticos de extrema-direita continuam ignorando a existência de pessoas queer e suas necessidades. Elas só servem se forem convertidas, muitas vezes mergulhando em um sofrimento psíquico tão grande que terminam vítimas de si mesmas. Isso quando não são vítimas de pessoas com a mesma mentalidade preconceituosa que não tem medo de partir para diferentes tipos de violência. André Fernandes, Bolsonaro e outros milhões de brasileiros são do tipo que preferem ter um filho morto que um criança viada. Um reflexo claro do quão não-importante somos para essas pessoas.
Para um bolsonarista típico, a segurança pública só se melhora com mais armas e policiais nas ruas. A Patrulha da Diversidade, com agentes treinados para garantir os direitos da comunidade queer, de forma alguma substitui outras medidas de segurança pública. Ela atende a uma necessidade específica de proteção para uma população marginalizada e frequentemente violentada simplesmente por ser quem é.
Além do vídeo revoltado com a nova ação da Prefeitura de Fortaleza, Fernandes voltou a atacar a comunidade LGBTQIAPN+ nesta mesma semana, criticando o financiamento da Secretaria de Cultura do Ceará em uma exposição artística que aborda a infância homossexual e trans.
Mencionando a já citada “ideologia de gênero”, que permeia a maioria dos ataques a comunidade, o deputado novamente utiliza o oportunismo, o sensacionalismo e a burrice para manipular seus eleitores. Não é à toa que sua aba de Projetos de Lei no site da Câmara dos Deputados é tão parada; ele se dedica mais a suprir a falta de conteúdo para suas redes sociais.
A Parada pela Diversidade Sexual do Ceará deste ano acertou em cheio com o tema “Radicalizar para existir; votar para ocupar”. A comunidade precisa entender o poder revolucionário do voto na luta pelos direitos LGBTQIAPN+. É crucial eleger representantes qualificados e comprometidos com nossa agenda.
Estudem, pesquisem, debatam e façam a melhor escolha nas próximas eleições municipais. Só assim poderemos garantir um futuro onde figuras públicas como André Fernandes não tenham espaço para disseminar desinformação e preconceito.
Protejam nossas crianças e adolescentes, não do amor, da diversidade ou da aceitação, mas do oportunismo barato, venenoso e violento que vem da direita conservadora.
LEITURA COMPLEMENTAR:
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O Neomarsha lamenta a morte de Eliseu Neto, ativista e psicopedagogo, especialista em Orientação Profissional e defensor dos direitos das pessoas LGBTQIA+ e presidente Nacional do Núcleo de Diversidade23, que faleceu nesta terça-feira (21/05).
Eliseu foi o responsável por liderar a Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO), no Supremo Tribunal Federal, que levou à criminalização da homofobia no Brasil, equiparando ao crime de racismo. Outra luta de Eliseu foi para derrubar a proibição de homossexuais na doação de sangue. Suas ações vão de encontro aos princípios de nossa figura inspiradora Marsha P. Johnson, que disse: “Você nunca tem completamente seus direitos, individualmente, até que todos tenham direitos”.
Por essa razão, sua vida é muito maior que a materialidade física. Agora, Eliseu Neto é parte do panteão de inspirações que vive eternamente no imaginário da nova geração de militantes da causa queer. Seu legado continua. A luta também.
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