top of page
thedeathandlifeofmarshapjohnson_photo_02.webp

Homem com H: O que é ser um homem Homem?

Atualizado: 13 de ago.

Por Taís Lustosa


Ney criança brincando de ser bicho
Ney criança brincando de ser bicho

Para quem não é do Nordeste, o popular “xêro” pode ser facilmente confundido com um beijo, entretanto, no sertão, nas capitais ou à beira-mar, “dar um xêro” é mais que um gesto, é uma linguagem de carinho própria. A diferença é que o cheiro transcende o físico, cheiro é paixão, despedida, encontro, raízes e memórias, é por isso que mais do que ninguém o nordestino se arrepia na cadeira do cinema quando escuta Ney Matogrosso dizer que “o amor está nos cheiros, a gente tem que farejar para sentir.”


A fala em questão trata-se de um trecho do mais novo lançamento do diretor Esmir Filho, “Homem com H”, a cinebiografia que explora a vida e a arte de um dos maiores símbolos de liberdade e sexualidade no Brasil, Ney Matogrosso. No longa, o cantor é vivido por Jesuíta Barbosa que se entregou por completo ao papel de interpretar Ney, chegando a perder 12kg. Para além da parte física, o ator também passou por preparações de voz, aulas de dança e, claro, encontros com o biografado. O resultado é fidedigno de Ney Matogrosso, com muita ginga, olhares intensos e ironia.


Inicialmente, o longa parte para o resgate das memórias da infância e adolescência de Ney em Bela Vista, onde vivia um cenário de constante violência por parte de seu pai (Rômulo Braga), um militar que não aceitava que seu filho fosse “viado”. Cansado das ofensas e agressões, Ney decide sair de casa e começa a procurar conhecer a si próprio. Aos poucos, não antes de passar por diferentes bicos, relacionamentos abusivos e conversas desagradáveis com seu pai, Ney se encontra dentro da música e ingressa na banda Secos e Molhados, junto de João Ricardo (Mauro Soares) e Gérson Conrad (Jeff Lyrio).


É então que Ney se metamorfoseia. Aquele Ney homem-bicho – que desde o começo do filme dava indícios de existir e querer sair – finalmente é solto e apresentado para o mundo, que estranha a existência de um homem com uma voz aguda, de maquiagem e com um rebolado incomum. Assim, o ar do filme também se transforma, tornando-se mais frenético, tal qual o jovem Ney, o que se intensifica com a chegada da carreira solo do cantor, que se mostra como um clássico drama de sexo, drogas e rock and roll.


A sexualidade de Ney Matogrosso, abordada sempre de forma selvagem ao longo do filme, é um dos pilares de sua identidade artística e pessoal. Sem nunca ter se prendido a rótulos ou explicações, Ney sempre fez de seu corpo e de sua voz um espaço de liberdade. As cenas musicais que recuperam a essência dos antigos shows de turnês do cantor refletem sua personalidade fluida, feminina e, ao mesmo tempo, masculina.


O título do filme, “Homem com H”, além de fazer referência a uma das músicas mais populares do cantor, também ironiza o conceito de masculinidade tradicional. Apesar das maquiagens, do rebolado, da voz e de ousar existir fora das normas, Ney é ainda um homem. Sua sexualidade não é um ponto de conflito, mas de expressão, uma forma de existir com verdade, sem concessões, em um país que continua tentando silenciar corpos dissidentes.


Apesar de se tratar de uma cinebiografia, “Homem com H” é um filme que se mantém muito atual, sobretudo para a comunidade LGBTQIAPN+, pois reafirma a importância da representatividade e da resistência em um cenário ainda marcado pela intolerância. A trajetória de Ney Matogrosso inspira não apenas por sua arte transgressora, mas por sua coragem em viver sua verdade sem se submeter às expectativas alheias. Em tempos onde a diversidade ainda enfrenta barreiras, o filme se torna um manifesto sobre a potência de ser quem se é, com toda a voz, corpo, cheiro e coragem.


Assim como a maioria das cinebiografias, o filme tenta resumir a vida do cantor em apenas algumas horas. Apesar disso, poucas as vezes que tive a sensação de que estavam seguindo rápido demais ou excluindo partes relevantes dos eventos que circundavam o cantor na época. Acredito que a obra faz um bom trabalho ao misturar música e fotografia com uma precisão capaz de inserir o público dentro do contexto e da cabeça do Ney Matogrosso, assim, enfatizando tudo o que o artista enfrentou ao longo de sua vida.


O final do filme é emocionante e reafirma a principal pretensão da obra, cumprindo seu papel de ser, sobretudo, uma homenagem em vida a um grande artista, que foi responsável por marcar a história brasileira com sua ousadia de querer, mais do que tudo, ser uma pessoa livre de amarras. Ney é, e sempre será, um símbolo que rompe padrões, desafia convenções e nos lembra que viver com autenticidade continua sendo um ato político.


Comentários


  • Youtube
  • Instagram
  • Spotify

© 2023 por NeoMarsha

bottom of page