Em Igreja Batista nos EUA, o pastor brasileiro André Valadão pregou que, se pudesse, ‘Deus mataria’ a população LGBTQIA +. Há apenas três dias depois do ‘mês do orgulho’, Valadão oferece aos seus fiéis o cultuamento à “Deus Odeia o Orgulho”. O pastor falou também sobre casamento homoafetivo, sexualização de crianças e que drag queens estariam em salas de aula ensinando sexualidade.
Nas últimas semanas, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) foi condenado a inelegibilidade pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), devido a abuso do poder político e uso indevido dos meios de comunicação. Na véspera de seu julgamento, Bolsonaro deu entrevista, com seu charme costumeiro, à jornalista Mônica Bergamo. ‘Eu sou imbrochável até que se prove o contrário’, respondeu o ex-presidente quando questionado por seu sentimento acerca do julgamento. Mas, e aí? Brochou?
Aqui se mostra a principal temática dos regimes ultraconservadores — a sexualidade. Na maioria das vezes mais ligada à genitália do que propriamente ao tema em si. Característica inovadora do discurso é que se usa alternadamente uma retórica do respeito à família e à moral e uma retórica libidinal, do palavreado chulo; linguagem privada em espaço público. Falo, ‘desfalo’, digo, não-digo, “Não sou coveiro”, “Não serve nem para ser estuprada” e “Pela memória do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra!”.
Mas por que ainda se vota (ou votava) em alguém que quer está ‘gozando’ acima de nós? Porque nos identificamos inconscientemente com ele. Queremos estar na posição de opressor, mas que algo/alguém também esteja assim sobre nós, para não termos que carregar o peso — paixão por ser instrumento, diz Calligaris.
E, aqui, trago um fragmento fantasmático que me assombra: “na hora em que o justiceiro mata, ele não está mais nos protegendo nem querendo eliminar um criminoso, ele está cometendo o seu crime particular, um longamente guardado”. Ou seja, arrumamos um álibi, finge-se que está indignado porque alguém é muito ladrão ou porque a gente é muito moral, para poder se autorizar a desejar um líder descaradamente perverso.
Esse trecho é de ‘Mineirinho’ (1999) escrito por Clarice Lispector, que nos apresenta um olhar humanizado sobre o direito de punir. Me é perturbador, porque ultrapassa a enunciação e possibilita ao leitor uma sondagem das experiências vividas, seja ela sua ou do outro, ou seja, uma busca por entender as existências. Assombra-me pelo fato de estarmos cada vez mais plastificados pelas vontades e quereres mercadológicos, que não conseguimos palpar o diferente, que se marginaliza.
Esse líder perverso entra aqui. No entanto, as 22 metralhadoras que possui têm seus limites de contenção. A tentativa de controlar a sexualidade das pessoas está depois dessa margem. A fantasia, sedução e desejo estão no campo para além do controle, é pulsão. Até mesmo brochar está além do controle. Bolsonaro e a direita surgem com essa pacificação subjetiva — votem em mim para eu resolver o problema de fora, não de dentro. Esse bebê narcisista que se vê como o centro do mundo e acima da lei, não quer que outras vozes surjam e ‘tomem’ seu lugar.
Nos oferece o espetáculo de fazer sentir o prazer do ‘poder ser macho de novo’. O discurso conservador vende que ‘a ordem’ vai voltar. Uma briga de espadas, de falos, precisamente. ‘Quem tem a melhor arma?’, postou Marcos do Val (Podemos) comparando seu pênis ao do Ministro da Justiça Flávio Dino. Afinal, quem precisa de diploma, instrução e educação para ser político, se meu pau é maior que o seu?
Renan Bolsonaro, filho 04, falou abertamente, em podcast disponível na internet, sobre punheta e comer ‘mina’, além do grande ‘caso da camisinha’ que repercutiu nas profundezas do twitter em 2020. Mas quem deveria ser destruído pelo dilúvio devido à ‘promiscuidade sexual e libertinagem’ são as pessoas que ocuparam as ruas do Brasil no dia 18 de junho (Dia do Orgulho LGBTQIAPN+).
Buscamos uma matematização em que algumas ‘coisas’ têm mais direito à vida — portanto, outras, mais direito à morte. A canção de Chico Buarque, a quem atribuí o título, sistematiza isso. Geni é a escória da vila, ela é ‘boa de cuspir’ e ‘feita para apanhar’. Após ameaças de fim, Geni se torna a ‘bendita’. Pode lambuzar-se dela, mas jamais deixe que os fiéis da sua igreja a vejam, é pecado!
Geni satisfaz seus clientes. E apesar de usufruir de seus serviços, ainda assim os fregueses atiram-na bosta e pedras. Da mesma forma que o Brasil é o país que mais acessa pornografia travesti e transexual, é também o país que mais mata pessoas trans. Essa é a característica curiosa da sociedade direitista brasileira: dupla moral, hipocrisia assumida publicamente.
Enquanto uns ficam nos armários, cozinhas e senzalas de suas existências. Outros podem falar e dizer o que querem sem medo de serem punidos, porque se fossem, veríamos posts sobre censura e ditadura esquerdista por todo o feed. Minha homofobia, machismo e fascismo é crime? Não, sou cidadão de bem.
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