Entre marshas, protestos e passeatas, a bandeira multicolor é para o conservadorismo o que um farol é para um navio à deriva: Uma salvação ou um alerta. Desde o final da década de 1960, com os revolucionários de Stonewall, pessoas queer possuem uma válvula de ancoragem para suas individualidades, um ponto de partida para uma jornada que ressignifica uma história de estigmas e enclausuramento ideológico. A onda incendiária da “liberação gay”, junto às contra narrativas de mulheres lésbicas e outros grupos identitários, se converteria na tentativa de uma unificação na década de 1990. A atuação incansável de militantes em todo o mundo daria origem a sigla LGBT.
Os avanços são notáveis, embora tenham sido cultivados em um ambiente violento. Há quem diga que os heróis da luta sempre serão lembrados, mas para isso eles precisam ser primeiramente reconhecidos. A história é a testemunha do fascínio sádico que a branquitude heteronormativa sempre possuiu para com os sodomitas, os afeminados e as não conformistas. O sofrimento e a apropriação – Eles nos comem mas não nos assumem. Desde a ciência, com Alan Turing, à Bossa Nova, desde, Johnny Alf., e em ramos diversos que alicerçam as indústrias modernas, como as pinturas de Frida Kahlo, e o inconformismo de Jorge Lafond, a Vera Verão. Pessoas LGBTQIAPN+ sempre foram extorquidas de seus corpos, suas ideias e seus poderes.
Honrar a memória dos que já foram deve ser o alicerce da luta pelas novas conquistas. No Brasil, em 1983, o embate de ativistas em prol da comercialização do jornal ChanacomChana em um bar de São Paulo é reconhecido como o “Stonewall brasileiro”, um ato que reverbera como um símbolo de combate à discriminação. Dois anos após o marco, o Conselho Federal de Medicina do Brasil retirou a homossexualidade do rol de patologias. Em 1990, a Organização Mundial da Saúde segue os mesmos passos e retira a homossexualidade da Classificação Estatística de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID). Quase 30 anos após sua primeira realização na Avenida Paulista, a Parada da Diversidade de São Paulo é a maior do mundo. No entanto, dados levantados pelo Grupo Gay da Bahia comprovam que o Brasil ainda é o país que mais mata pessoas da comunidade LGBTQIAP+. Um contraste típico da realidade tupiniquim, a dor e a alegria caminham de mãos dadas.
Sendo as maiores vítimas da violência, pessoas trans e travestis são a linha de frente do movimento. Xica Manicongo é considerada a primeira travesti não indígena do país. Sua liberdade, entretanto, foi interrompida pela escravidão. Trazer Xica à conversa é essencial para escancarar de uma vez por todas: O pensamento colonial é um veneno impregnado no DNA da sociedade brasileira! É dele que surge o conservadorismo exacerbado que insiste em demonizar todo e qualquer tipo de identidade que não abaixe a cabeça para o ideal da salvação. Mas é graças a figuras como Duda Salabert (PDT-MG) e Erika Hilton (PSOL-SP), atuais deputadas federais, que a imagem da travestilidade pode ser gradativamente desassociada do imaginário monstruoso que o colonialismo descreveu. Além de Duda e Erika, levantamentos da Organização Não Governamental (ONG) VoteLGBT indicam que outros 16 candidatos LGBT+ foram eleitos para o legislativo brasileiro, nas eleições de 2022, um ano histórico nas urnas.
Outras datas importantes para o movimento:
2011 – Uniões estáveis entre pessoas do mesmo sexo passaram a ser permitidas, seguindo as mesmas regras e consequências daquelas entre casais heterossexuais.
2015 – O Supremo Tribunal Federal autorizou de forma oficial a adoção de crianças e adolescentes por casais LGBTQIA+.
2016 – O decreto nº 8.727 estabeleceu que, nos órgãos e repartições públicas federais, é assegurado o reconhecimento da identidade de gênero das pessoas travestis e transexuais, bem como o uso do nome social.
2019 – O Superior Tribunal Federal determinou que a homofobia é um crime imprescritível e inafiançável.
2021 – O Senado aprova um projeto de lei que proíbe a discriminação de doadores de sangue com base na orientação sexual.
…
Dos palcos aos parlamentos, dos bares às universidades. A diversidade sempre estará presente. A comunidade, cuja bandeira é repleta de cores, atualmente celebra o surgimento de novos ídolos e chora pela perda de grandes heróis. É bem dito por Nietzsche que o caos antecede a ordem, e por caminhos sinuosos grupos marginalizados sempre foram caóticos por essência. Até que ninguém tenha que morrer pela sua identidade e até que nada seja como algum dia já foi, o orgulho da comunidade LGBTQIAPN+ deve ser o caos que antecede a tão esperada conquista da liberdade.
Kommentare