Após receber a notícia de que seu relacionamento de quase duas décadas chegou ao fim, Michael (Patrick Neil Harris) terá de enfrentar novas mudanças em sua vida amorosa. Estando na casa dos 40 anos, o protagonista passa por crises identitárias intensificadas pelo término da relação duradoura. Enquanto encara dificuldades nessa área, passando a vivenciar novamente todo o processo de estar solteiro, sua trama permeia momentos de estresse, ansiedade, receios e incertezas, mas também de muitas descobertas na busca de uma nova versão de si.
Michael Lawson (Neil Patrick Harris) em Uncoupled / Netflix
Dos criadores Jeffrey Richman e Darren Star, a série, de 2022, se passa na grande cidade de Nova Iorque. Star já havia trabalhado em obras com semelhanças no enredo: pessoas adultas, na fase de transição para a meia idade, conquistando sucesso na carreira, mas vivenciando contratempos em suas narrativas amorosas – como na série Sex and The City (1998).
As controvérsias nas relações amorosas não alcançam somente as obras de Star. A presença de conflitos amorosos após a meia idade é comum e pode remeter a outra sitcom da mesma emissora das duas séries já citadas. Gracie and Frankie (Netflix, 2015) é uma comédia dramática que também aborda a separação após longos anos de aliança, desta vez, na perspectiva da terceira idade.
Colin e Michael em Uncoupled / Netflix
Não é à toa que essa temática vem sendo explorada pelas produções televisivas. O chamado “divórcio grisalho” vem ganhando espaço nas discussões e reformulando a visão conjugal de algumas pessoas – como pode ter acontecido com Colin (Tuc Watkins), ex-companheiro de Michael. Entretanto, em Uncoupled o maior desafio encontrado pelo personagem de Neil Harris é se reinserir no “mercado” amoroso gay, desta vez, mais velho e desacostumado com os novos meios de paquera. Sempre acompanhado de seus amigos estereotipados, um gay preto narcisista e um gay urso, o corretor de imóveis procura se reinventar para se sentir pertencente à nova realidade em que caiu de paraquedas.
Stanley, Michael e Billy em Uncoupled / Netflix
Festas em boates gays, encontros íntimos com desconhecidos, sexo com pessoas diferentes e mais novas. Depois de anos acompanhado, essas vivências transformam-se em percalços que fazem Michael questionar se está percorrendo seu novo caminho de maneira adequada. A adaptação à nova rotina e o desconforto com algumas situações de sociabilidade também se fazem presentes e levam o personagem principal a ficar em cima do muro, algumas vezes, na trama. Isso permite perceber o quão pode ser desafiador para alguém mais velho voltar para esse ambiente de paqueras, depois de estar habituado com uma relação estável.
É interessante lembrar que a sensação de estar solteiro na grande Nova Iorque se torna diferente para dois personagens feitos pelo mesmo ator. Mas, agora, o que os diferencia é, principalmente, a sexualidade – o que já modifica toda a representação que é feita pela mídia.
Barney (Neil Patrick Harris), em How I met your mother, é um homem mais novo e hétero. O personagem é tido como desejável e atraente pelas mulheres que atravessam seu caminho. Ele, estando solteiro e pertencente à lógica heteronormativa, se aproveita de seu perfil para conquistar o máximo de encontros casuais sem preocupação.
Barney em How I met your mother.
Já para Michael, embora continue sendo um homem branco e cis, o cenário se torna um pouco distinto. Por estar na casa dos 40 anos – um pouco acima da idade de Barney –, relacionar-se com outros homens gays acaba por ser mais problemático. Ele é visto como daddy ou ainda como uma possibilidade de realização de fetiches pelos mais novos.
Vale pontuar que as produções feitas pela mídia televisiva são reflexos de como o mundo real enxerga os relacionamentos héteros e homoafetivos. São perspectivas diferenciadas entre relações heteronormativas e as que fogem desse padrão, mesmo que mantenham condições semelhantes, como idade e perfil socioeconômico. Pontos esses que são condicionados pelos próprios estigmas que se associam às relações que fogem das normas impostas pela sociedade. Não é curioso que personagens, como Michael, passem por situações mais conflituosas do que outros, como Barney, interpretados pelo mesmo ator?
Não são meras coincidências; são representações verossímeis de um mundo homofóbico e patriarcal.
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